quarta-feira, 9 de fevereiro de 2011

Homenagem


Lamentavelmente, vimos comunicar que, devido ao falecimento do ator Leonardo Scarpelli ocorrido na última semana; a Cia de Teatro Alercchino não apresentará o espetáculo "A mulher sem pecado" no 5º Verão Arte Contemporânea, previsto para entrar em cartaz de 10 a 20 de fevereiro no CentoeQuatro. A Companhia se mantém em luto.
Ione de Medeiros e toda a equipe do 5º Verão Arte Contemporânea se solidarizam com a Cia de Teatro Alercchino, familiares e amigos de Léleo Scarpelli, um ator talentoso e carismático que deixa saudades.

Abaixo segue um texto de Pedro Paulo Cava feito em homenagem ao Léleo.
 
 
Leléo, uma estrela que nasce

Diz a lenda que quando morre um ator, no mesmo instante surge uma nova estrela no céu bem acima do lugar onde a morte veio roubar a vida. Isso acontece há milênios, desde Téspis, o primeiro ator de que se tem notícia, até os dias de hoje.

É que os deuses do teatro, comandados por Dioniso, fizeram um trato com Zeus para que as almas dos atores permanecessem vagando pelo infinito. E já são milhares de estrelas de formas e tamanhos variados que brilham sobre a cabeça dos mortais. Prateadas, brilhantes, radiantes, podem ser vistas a olho nu apenas pelas pessoas de rara sensibilidade. Formam elencos inteiros que, na madrugada, quando todos vão dormir, declamam em todas as línguas trechos dos melhores textos desde o indiano Shakuntala, do qual se lembram apenas de fragmentos, os trágicos gregos, a comédia latina, os dramas de Shakespeare, o teatro político de Brecht, as crueldades do absurdo até os mais modernos e atuais.

E lá em cima se fartam de rir com o talento dos comediantes ou silenciosos reverenciam as pausas, o clima e o desenrolar de cada drama.
Contam ainda que quando um ator em seu ofício esquece um texto em cena, são elas, as estrelas, que fazem soprar o vento da memória nos ouvidos do atônito intérprete que perdera o chão por uma fração de segundos. 

A cada momento que aqui embaixo uma platéia se levanta e aplaude o espetáculo daquela noite, um outro aplauso ensurdecedor se ouve no firmamento, percorrendo constelações e reverenciando os atores que brilharam naquele dia em mais um ato de generosidade e doação completa. 

Ontem uma dessas estrelas nasceu sobre o céu de Belo Horizonte. Foi no instante mesmo em que Leonardo Scarpelli, o nosso Leléo, se encantara assim de repente, sem sustos ou aflições. Morria um ator jovem, carismático, talentoso, humilde e essencialmente generoso. Pertencia ao seleto grupo dos artistas viscerais, aqueles que se jogam ao mar sem rede de proteção e mergulham intensos doando seu precioso material humano: voz, corpo e mente, para dar forma e vida a mais uma efêmera personagem a cada noite. 

Leléo, como todos o chamavam, era um animal teatral. Esses são raros e suas estrelas na terra ou no céu são maiores e mais brilhantes, porque especiais. O teatro mineiro ontem ficou mais pobre, assustado e comovido. 

No Teatro Marília, palco de tantas lutas, histórias e espetáculos, seu corpo chegou quase a meia-noite para uma última e fugaz aparição. Por ele esperava a gente de teatro de todas as gerações e de diferentes tribos; todos com a alma em frangalhos e os olhos marejados. Numa inversão da lógica do espetáculo, sua entrada no teatro foi aplaudida de pé e longamente. 

Leléo, o Leonardo Scarpelli se foi assim, durante o sono, suave e meigo. Estava em paz. Olhei para o céu e não havia uma nuvem sequer. Sobre o recorte da Serra do Curral uma nova estrela de brilho intenso parecia íntima e cúmplice de todos nós. Naquele instante eu tive a certeza de que a lenda havia se materializado sobre a Belo Horizonte que começava a adormecer.
Pedro Paulo Cava/ Fevereiro de 2011.

 Crédito: Eliane Torino

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